Missão Benin: o relato de uma fonoaudióloga na África

Andrea Soares, sócia da Clínica Imong, conta suas experiências como voluntária em ação humanitária de saúde em um dos países mais carentes do continente africano. Conheça a

Missão Benin





Por Andrea Soares (CRFa – 2- 11424)

Missão Benin surgiu a partir da vontade das irmãs Marcelinas (Congregação de Santa Marcelina) ajudarem a África. Pelo quarto ano seguido, um grupo de voluntários viaja a Benin para fazer atendimento médico gratuito à população Beninoise, dividindo as ações entre o Hospital La Croix e a Escola Santa Marcelina.

O objetivo da missão, além de realizar cirurgias e atendimentos médicos, é ensinar aquilo que sabemos à população e aos profissionais de saúde que lá trabalham, para que eles sejam autônomos e multiplicadores de conhecimento.

O projeto é custeado por meio de investimento financeiro do próprio missionário, que arca com os todos os custos de sua viagem, e de doações, que são muito importantes para viabilizar a compra de materiais cirúrgicos e medicamentos, além de eventuais patrocínios. As doações de medicamentos também são essenciais, assim podemos consultar e medicar cada paciente. Hoje esse projeto se consolidou e formou uma Organização Não Governamental – ONG Sementes da Saúde, que tem ações não só na África, mas também no Brasil.

Benin e o país de origem da maioria dos escravos que vieram para o Brasil. A cultura religiosa é bastante parecida com o que encontramos principalmente na Bahia. É um país de extrema pobreza, com um dos menores IDH do mundo, alta taxa de mortalidade infantil e baixa expectativa de vida – quase não se vê idosos no país. Não há saúde pública institucionalizada em Benin. Se o cidadão não tiver dinheiro para ser socorrido, ele geralmente morre. Além da falta de estrutura, há também a questão cultural que não pode ser simplesmente modificada. Crianças e adultos fazem xixi na terra, mesma terra em que as crianças brincam e o gado pasta. Mas mesmo com toda essa dificuldade os Beninoises são um povo feliz.

As mulheres dão à luz em casas de parto sem estrutura de hospital para qualquer imprevisto. Os postos de saúde procuram resolver quase todas as questões sem precisar encaminhar o paciente ao hospital, mas lá não trabalham médicos.

O grupo da Missão Benin deste ano era composto por duas equipes de médicos (médico de família, pediatra, ginecologista e obstetra, oftalmologista, dermatologista, anestesista e cirurgia de cabeça e pescoço), fonoaudiólogos, enfermeiras, dentista e assistente social. A equipe que ficou no hospital realizou cirurgias e consultas médicas. Foram realizadas em torno de 100 cirurgias e consultas e 97 atendimentos odontológicos, entre crianças e adultos.

A equipe que ficou na Escola Santa Marcelina, da qual participei, tinha como objetivo realizar consultas principalmente de crianças da região. Inicialmente foram realizados 520 atendimentos dos alunos da escola. Todas as crianças receberam avaliação auditiva, foram pesadas, receberam vermífugos, e foram consultadas conforme a necessidade.

Após concluir este trabalho, fizemos algumas ações dentro da escola recebendo as famílias dos alunos para atendimento. Depois, realizamos atendimentos em dois orfanatos da região, nos quais ao todo havia 73 crianças. E então partimos para o atendimento às comunidades da região, sempre acompanhados de um morador que normalmente era professor da escola.

Esses atendimentos aconteciam dentro de cada Village (comunidade) e buscávamos dar vermífugos para as crianças e avaliar aquelas que tivessem necessidade. Os profissionais não médicos ajudaram no atendimento das crianças, pesando, vermifugando e orientando para que os médicos pudessem ter tranquilidade de atender os casos que necessitavam de cuidados específicos. Ao todo, foram mais de 1000 consultas só pela equipe da Escola Santa Marcelina.

Como fonoaudióloga, dentro da escola, realizei um trabalho de saúde auditiva. Carolina Fanaro, também fonoaudióloga, ensinava os alunos sobre o que era audição e como cuidar dos ouvidos. A aula tinha como objetivo ensinar sobre as partes da orelha, a diferença de sons graves e agudos e como preservar a audição. Ao mesmo tempo, as crianças eram avaliadas por mim através de otoscopia e triagem rápida da audição.

Usamos um banner escrito em francês, que levamos pronto do Brasil e um material do projeto brasileiro Passe Adiante da Audibel, empresa de aparelho auditivo que nos patrocinou para realizarmos as atividades com as crianças.

O que observamos é que o hábito cultural do uso de cotonete aumenta o caso de crianças com rolha de cerúmen, o que afeta diretamente no desempenho escolar. A média foi de 44% das crianças com excesso de cerúmen.

O maior desafio nesse trabalho é a língua. Em Benin, a língua oficial é o francês, mas a maioria da população fala o dialeto Fon. Em algumas comunidades, contávamos com a Carolina como intérprete português-francês, que passava as informações para uma única pessoa que a compreendia e, por sua vez, traduzia para os locais em dialeto. E mesmo assim, em três horas realizamos 160 atendimentos nessas condições.

Trouxemos conosco muitas observações para que os próximos grupos possam ir mais atentos e preparados assim como o último fez conosco. Desta forma, a cada ano a Missão Benin conseguirá atingir um grupo maior de pessoas. Apesar de a comunicação ser dificultada pela língua, observei que quando se tem vontade de ajudar e um sorriso no rosto qualquer comunicação acontece.

A população é extremamente receptiva. Em todos os lugares que passamos fomos carinhosamente tratados. Houve alguns relatos de cidadãos que se surpreenderam com a atitude dos brancos, porque os tocávamos, fazíamos curativos etc. Mas para a grande maioria a sensação era apenas de muito agradecimento.

Se o grupo estiver unido com um único objetivo, que é cuidar do máximo de pessoas que puder enquanto estiver lá, o objetivo final da Missão Benin é alcançado. A falta de recursos e a dificuldade de comunicação passam a serem pequenos obstáculos facilmente superados. A tristeza em ver a população carente é substituída pela alegria de ver que o pouco que você fez é muito para quem recebe. Ainda falta muito pra fazer, mas depois da nossa ida falta um pouco menos.

Costumo dizer que Benin não é mais o mesmo depois que saímos de lá, mas que eu também não sou mais a mesma depois que sai de Benin.
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